segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Toda mulher é a amante lésbica de si mesma*

Ainda meio entorpecida pelo sono, virei de lado. Abri os olhos muito devagar e sem vontade. Estava escuro, mas não tão escuro a ponto de esconder uma silhueta. E a silhueta estava lá, imóvel, recebendo aquela luz meio azul, fraca e mal proporcionada.Ela estava sentada à beira da cama, com as costas completamente nuas, os cabelos presos e desalinhados, intencionalmente revelando aquela nudez, com uma postura segura de bailarina. Todas as vértebras pareciam estar em seu devido lugar. Não soube ao certo se a nudez existia também abaixo da linha da cintura. Minhas atenções não estavam voltadas para mais nada que aquele inverso do frontal. Inverso, mas revelador. Revelava muito mais que qualquer expressão facial, porque eu percebia apenas o que queria ver. Daqueles cabelos tão familiares que normalmente nunca são presos. Aquele pescoço meio desconhecido que se oferecia tão acessível e sem pudores. Os ombros retos e tensos, contrastando com os braços inexplicavelmente relaxados.A luz me permitia ver por inteiro a pele daquelas costas, que embrulhavam as linhas da carne e dos ossos, da cintura que parecia mais fina do que eu me lembrava. O início dos quadris, que ao atraírem meu olhar, logo me faziam voltar a olhar pra cima. E ver de novo os cabelos com aquele penteado diferente, que me davam permissão pra captar inteiramente aquela cena. E esquecer de mim para olhar aquela silhueta.Contemplativa e encantada que estava, quase não percebi que minha mão direita se moveu meio involuntariamente em direção àquelas costas. E sabendo exatamente o que fazer naquele momento, apesar da ânsia de querer mais, foi seguindo muito lenta e cuidadosa para tocar suavemente e se permitir experimentar aquela cena com um outro sentido que não apenas a visão.E de repente, lá estava eu, de longe, olhando pra mim tocando as minhas costas e achando que dessa vez sim, eu estava me apaixonando por mim mesma, sem nenhuma projeção intermediária.


* Frase de Nelson Rodrigues adaptada.


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Top Ipod: I Me Mine: The Beatles

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O abismo, incipiente, mas abismo...

Caminhar, lento, pausado, ir embora, aprender a voltar, aprender a voltar sem ficar, olhando pro lado, olhando pro outro lado, perceber, ouvir, escutar, observar, observar de novo, concluir, afirmar, voltar atrás, tentar de novo, agradecer, gritar, se calar....
Se calar...
Se calar...
Se calar...
Tropeçar, como sempre, e...
C A I R
C A I R
C A I R
Olhando dentro dos olhos do abismo que sempre esteve dentro da carcaça levada tão a sério. O abismo cheio de hematomas. Que não se curam tão facilmente quanto os externos. Durante a queda, gritam os fantasmas, gritam as teorias, gritam as opiniões sobre as teorias alheias, gritam as teorias próprias, grita a negação disso tudo.
Os sentimentos ficam espalhados ao redor, na forma de sua representação em palavras. As palavras representando sentimentos, assim como na vida real. Como se os sentimentos fossem apenas letras agrupadas. E esses grupos de letras se esticam e se distorcem como que negando a finalidade a que foram destinados.
Os gritos de dentro são tão altos que impedem que seja produzido algum som externo.
O abismo é a dúvida, da vontade que ainda não soube se fazer querer, pela exclusiva culpa de quem a possui. Culpa assumida. Abismo necessário. Intrínseco, individual e imutável na essência.
A queda livre retorna agora à tona, como meu sonho do passado, que vai começar a tomar forma. Criatividade muda aprendendo a balbuciar.

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Top Ipod: (Come on) Let's Go! - Smashing Pumpkins



domingo, 5 de agosto de 2007

Not enough

The time is not enough.
The inspiration is not enough.
The distance is not enough.
The missing is not enough.
The money is not enough.
The empty eyes are not enough.
The knowledge is not enough.
The loneliness is not enough.
The touch is not enough.
The words are not enough.
The patience is not enough.
The food is not enough.
The will is not enough.
The feelings are not enough.
Even the longing is not enough.

She feels so weary sometimes…


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Top Ipod: Fado das Dúvidas - Madredeus




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