quinta-feira, 28 de abril de 2011

E aí, Balbina, qual é o plano B?

Engraçado isso de você acabar de conhecer alguém, conversar cinco minutos com essa pessoa e ela te fazer uma pergunta que você mesmo se faz o tempo todo. Uma pergunta que está nas suas noites mal dormidas, que está nas suas crises de ansiedade, que parecia ser conhecida só por você mesmo.

E aí, Balbina, qual é o plano B?

Eu confesso que ouvir essa pergunta me assustou e eu fiz o que eu sempre faço com perguntas que eu não sei responder de imediato: disse o que achava que deveria dizer. Geralmente, eu respondo a perguntas assim automaticamente, sem prestar muita atenção. Mas também, as perguntas que eu não sei responder e geralmente me perguntam, são irrelevantes. Afinal de contas, a minha rotina de trabalho envolve lidar com perguntas cujas respostas essencialmente não fazem diferença para o que eu realmente sou.

Antes de pensar no plano B, eu precisei parar e olhar para o meu plano A. Na verdade, até hoje eu fiz planos muito instantâneos, muito incompletos, muito mal planejados, é bem verdade. Basicamente, meu plano A sempre foi fugir do que me incomodava, mesmo que isso envolvesse atravessar a rua correndo, quase sendo atropelada ou fazer algo que eu não queria para escapar de cobranças que eu não agüentava mais. Já fugi de pessoas, de empregos e de lugares. Já fugi a pé, de avião, de ônibus, carregando caixas e malas ou deixando objetos para trás. Também já fugi sem saber como nem para onde eu estava indo. Já fugi de coisas sem saber o que aconteceria se eu fugisse delas. Já fugi até pelo simples prazer da fuga.

Mas as noites mal dormidas e as crises de ansiedade estão gritando para mim que o plano A não está dando certo. E a pergunta ecoa e me desafia: E aí, Balbina, qual é o seu plano B?

A resposta, muito pensada e, acho que agora respondida, é simplesmente que o meu plano B significa fazer o oposto do plano A. Parar de fugir, ou ao menos refletir se realmente vale a pena fugir. A fuga é dolorosa, especialmente quando se deixa para trás algo que é parte de nós e que nos completa e que poderia nos tornar mais, digamos, felizes. Mas às vezes, parece mais fácil enfrentar a dor da fuga e abraçar o medo de não saber como lidar com algo. Pois simplesmente ficar e enfrentar qualquer que seja o monstro assustador que está lá, guardando a caverna em que está presa a princesa encantada, é simplesmente absurdo demais para quem não acredita que possa conseguir vencê-lo.


Portanto, o meu plano B é, antes de mais nada, aceitar a existência de um plano B. E então, eu vou largar as minhas caixas no chão, desfazer as minhas malas, rasgar minhas passagens, tirar meu tênis de corrida, pegar minha capa e a minha espada, entrar na caverna assustadora e travar minha longa e exaustiva batalha contra o monstro horrível. Será uma disputa como nos filmes de artes marciais em que, para manter a tensão dramática, o meu nêmesis quase me destruirá. E enfim, quando o monstro tiver morrido da forma cruel e vingativa que ele merece morrer, estará lá, me esperando pacientemente, a minha linda princesa encantada.



Nêmesis, de Alfred Rethel, imagem incrível, pilhada deliberadamente da Wikipedia. Estou aprendendo a me apropriar, ainda vou ficar boa nisso.      



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Top Ipod: Starman - David Bowie (porque já que a minha semana foi cheia de idéias de homens incríveis, vale a pena ouvir dezenas de vezes uma música de um deles) 




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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Não empresto livros. A casa é sua, venha ler aqui. *


Alguns dias atrás eu sonhei que estava em uma biblioteca enorme, tão grande que eu não conseguia ver as paredes. Eu caminhava entre as estantes e folheava os livros e, para minha surpresa, alguns estavam com a capa e as folhas em branco.
Ah, os livros...
Eu sempre achei que os livros eram meu patrimônio mais importante. E não digo isso pra parecer intelectual e impressionar as pessoas. Justifico isso dizendo que nada que eu tenho me faz sentir o mesmo. A sensação que traz aquela ânsia de já começar a virar uma página antes mesmo de começar a ler o primeiro parágrafo dela. Os livros sempre foram meus companheiros, meus melhores amigos, minha fuga para um lugar melhor.
Eu fui uma criança muito sozinha e me lembro que um dia, quando eu tinha uns 7 anos, pra me distrair da falta de amiguinhos pra brincar, minha mãe me deu O Pequeno Príncipe  pra ler. Eu nunca vou esquecer como aquela história preencheu minha vida e me fascinou tanto que eu li várias vezes seguidas. Tempos depois, eu me lembro que tive catapora e não podia ir à escola. Então, minha mãe me deu Pollyanna e O Menino do Dedo Verde e eu passava as manhãs com chocolate quente e chazinho na companhia daqueles livros. Talvez tenha sido a época mais feliz da minha vida.
Cresci um pouco e me tornei uma adolescente também muito sozinha. E depois de ler toda a Série Vagalume, eu comecei a ler qualquer coisa que me aparecesse pela frente. Li o tão criticado e rejeitado O Mundo de Sofia, que teve o mérito de me abrir as portas do mundo dos filósofos e grandes pensadores. Como eu morava em uma cidade que não tinha (e ainda não tem) boas livrarias e eu também não tinha muito dinheiro, eu dependia dos empréstimos de amigos e da humilde biblioteca do SESC, além de viver perambulando pelos sebos mal abastecidos e, eventualmente, tinha sorte de achar algo incrível.
Eu começava a ler e o mundo sumia. Todos os meus colegas detestáveis da escola, meus problemas com meus pais e meus parentes insanos, meu sério problema de autoestima, tudo ia embora. Ficavam apenas as histórias e as idéias de gente que eu queria que fizesse parte da minha vida. Eles me davam o que eu mais precisava e eu me sentia melhor.
Eu me afeiçoava aos livros, me apropriava dos marcadores de páginas na biblioteca, imaginava coisas, mergulhava profundamente nas histórias, sorria, chorava, me apaixonava pelos personagens. É bem capaz de alguém me perguntar algo sobre alguma época da minha adolescência e eu responder com alguma parte de O Grande Mentecapto ou alguma aventura do protagonista de À Mão Esquerda, porque, na verdade, aquela ERA a minha vida, e aqueles eram meus amigos, meus professores, minha inspiração.
            Na época eu tinha um caderninho, que depois se encheu e eu tive que ter outro caderninho, e mais outro e assim sucessivamente. Nesses caderninhos eu anotava palavras, idéias, falas de personagens, minhas opiniões sobre aquilo tudo, minhas fantasias, minhas angústias. Cheguei a copiar à mão capítulos inteiros de livros que eu não podia comprar, porque eu precisava guardar aquilo junto comigo e eu não podia esquecer. Foi a única época que eu realmente consegui ter alguma coisa parecida com um diário, porque me sentia registrando algo mais relevante que qualquer coisa que eu havia pensado, vivido ou mesmo estudado na escola. Aquilo fazia com que eu me sentisse viva ou, em outras palavras, interessada pela vida.
            Eu aprendi a gostar dos livros usados, de páginas amareladas. Me empolgava sinceramente com dedicatórias de estranhos a outros estranhos, buscava avidamente por trechos sublinhados, anotações, bilhetes, cartões ou qualquer coisa que me mostrasse o efeito ou propósito daquele livro, que então estava comigo, na vida de outra pessoa.
            Os livros, para mim, tem corpo e alma. Obviamente, o corpo são as páginas e capas. Além de bilhetes, cartões, marcadores, cílios e pedaços de biscoito caídos entre as páginas, saliva seca nas extremidades, traços, exclamações, marcas de batom, buraquinhos de traças. Já a alma é aquilo que começa na cabeça de alguém de alguma forma, se transforma em palavras e, às vezes pode mudar a vida de quem está lendo, sublinhando e perdendo cílios no “corpo” do livro.
            Eu chego a sofrer pensando em quais caminhos desconhecidos um determinado livro esteve antes de chegar às minhas mãos. Porque geralmente eu leio o que aparece na minha frente e ignoro meu ceticismo para acreditar que um livro veio a mim por forças do destino.
            Agora que sou adulta e tenho que forjar momentos livres para leitura em meio à rotina sufocante e entediante, eu ainda tenho o mesmo sentimento pelos livros. Na verdade, eu tento esquecer isso às vezes, por ter que trair essa paixão enorme para executar o resto das minhas tarefas diárias. Mas os livros ainda são os amigos que suprem necessidades tão minhas, tão necessárias, tão insubstituíveis, que ninguém nem nada poderá suprir. Eu ainda sofro e me alegro com as histórias e ainda tenho aquela horrível sensação, como se alguém tivesse morrido, quando fecho um bom livro que acabei de ler.
            Mas na verdade eu falei tudo isso pra contar deste livro, que comprei em um sebo gigante aqui em São Paulo há cerca de um mês:




            É um livro que achei na última prateleira, no cantinho mais escondido, no cômodo mais escuro do Sebo do Messias. É um livro fino, com 164 páginas, surpreendentemente intacto, impresso nos Estados Unidos. No verso do livro está o valor em dólares – U$$ 24,00 e CAN 30,00. E eu paguei míseros R$ 10,00. Em resumo, o livro é um workshop imaginário dado pela Virginia Woolf para quem gosta de escrever (ou produzir algo criativo em geral), no qual uma autora compilou trechos de artigos escritos pela própria e intercalou com diálogos inventados e dicas práticas.
            Comecei a ler finalmente este livro e, como eu já tinha uma noção, ele se encaixa tão assustadoramente bem neste momento da minha vida que eu não consigo parar de pensar nele e fico imaginando por quais meios improváveis ele chegou até a minha estante bagunçada. Eu, que nunca li um livro da Virginia Woolf, estou encantada, deslumbrada, perplexa com as idéias dessa mulher fascinante sobre algo que é igualmente fascinante para mim. São tantas possibilidades que se abrem, tantas idéias que surgem, que eu mal consigo lidar com o que eu tenho sentido ultimamente.
            De certa forma, eu sei que ele está aqui porque eu o quis e me senti motivada a encontrá-lo e então começou a leitura e começaram os pensamentos que voltaram a existir. Assim como eu finalmente ressuscitei aquele caderninho de anotações, que nada mais é que um sinal de que eu voltei a gostar da vida.
            Porque é simples assim: as coisas acontecem de dentro pra fora, da alma para o corpo, assim como os livros. E ainda existem tantos livros em branco naquela biblioteca...



*Frase que Mário de Andrade tinha ao lado de sua estante de livros, irritado porque as pessoas não devolviam o que pegavam emprestado. E, como ele, eu não empresto meus livros.


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Top Ipod: Anthem -  Leonard Cohen (because there is a crack in everything and that's how the light gets in)
                When I Paint My Masterpiece - Bob Dylan (por motivos óbvios)
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