terça-feira, 21 de junho de 2011

A Segunda Chance de Narciso

Meu primeiro conto que, pelo convite do professor Wladyr Nader, foi postado no Escritablog. Vou ficar pensando por muitos dias na belíssima ilustração que fizeram . Espero que tenham paciência para ler:


                                         A Segunda Chance de Narciso






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Top Ipod:  Les Feuilles Mortes - Serge Gainsbourg



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terça-feira, 14 de junho de 2011

Autumn - Winter Blues



Dez para as seis de uma terça-feira de início de junho. Meu sistema respiratório pede clemência para o frio, mas ele não se importa e continua corroendo minhas narinas. Tudo no inverno é mais difícil e tento me consolar pensando que seria muito pior se eu morasse em Toronto. O peso dos agasalhos esconde minha ausência de vontade de estar lá fora, mas minha cama já não me quer: “só amanhã”, ela me diz. E eu a beijo na testa e afago o cobertor macio, que é mais bonito que qualquer coleção outono-inverno da semana de moda. No frio, até a imundície das calçadas é triste. Lembro-me de que o inverno ainda nem começou e decido que odeio também o outono. No elevador o vizinho me fala “e esse frio, hein?” e eu decido que odeio também o vizinho por ele ser tão óbvio. Pela manhã, até o farol verde que me dá passagem me irrita. Penso que ao menos o cheiro ruim de tudo fede menos no inverno, mas o ar é ácido e eu ainda não sei o que fazer para controlar a coriza que anula o meu olfato. Amaldiçoo o ônibus por ele não vir e agradeço ao relógio por ainda não estar atrasada. A moça bonita no ponto de ônibus está com as bochechas vermelhas por causa do vento gelado. Até a beleza é abominável no frio. O mendigo dorme na calçada ao lado de uma caixa onde antes houvera uma TV caríssima. O cobertor do mendigo é cinza e na caixa está escrito “infinita”. Todas as mães do mundo falam ao meu ouvido “está vendo como tem gente que sofre mais nessa vida que você?” e eu concordo, mas ignoro. No frio, ver a tristeza deitada ao lado da mentira faz mais sentido. Como uma TV pode ser infinita? O mendigo fica triste por ter apenas a caixa da TV infinita? Tenho inveja do mendigo porque ele não precisa ir trabalhar. Não sei se o inverno deixa o mendigo mais triste do que ele já é ou se eu estou refletindo a minha tristeza nele. Eu não quero chá, não quero sopa, não quero uma TV infinita. A tristeza repetitiva do frio é azul.


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Top Ipod: Siberie - Manu Chao




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terça-feira, 7 de junho de 2011

Fundindo chavões




Os pulmões inspiram e expiram senso comum
Os dedos regurgitam chavões
A boca já entediada estanca a hemorragia do óbvio
O eco do que sempre foi e eu nem sabia
Reverbera a vulgaridade das palavras já mornas,
A banalidade do que não se quer saber
E a bondade do que é acessível.


A vaga tentativa desigual esbarra no normal e se desespera

A frase feita é de todos e foi redundantemente feita por ninguém


O feijão com arroz quer ter um bife gourmet com fritas a seu lado
O trivial quer ser   t  r  i  v  i  a  l   e depois  l  a  i  v  i  r  t
O clichê terá que ser assassinado
E o chavão exposto a ambíguos mil graus
será derretido e transformado em maldade.



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Top Ipod: Silly Love Songs - Paul McCartney (an obvious song)



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domingo, 5 de junho de 2011

Caça, Pesca e Colheita

Eu sou uma preguiçosa convicta. Calculo mentalmente a quantidade de esforço necessário para fazer algo e sempre consigo formas engenhosas de usar poucos movimentos ou ações para que aquilo aconteça. Comer verduras e frutas, para mim, é algo que demanda um esforço muito maior do que a minha filosofia de vida preguiçosa aceita. E não me entenda mal, eu adoro verduras e frutas, de verdade, mesmo eu não tendo uma aparência saudável e em forma. 

Quando se mora na casa dos pais, a comida milagrosamente aparece na geladeira ou nas panelas. Então, um dia saímos de casa e percebemos que é preciso comprar comida e descobrimos que as geladeiras e as panelas não são instrumentos mágicos, mas que, na verdade, os pais vão ao supermercado e à feira comprar comida. 

Eu me acostumei a ir ao supermercado. No início foi complicado acertar as quantidades de comida só para mim, mas hoje em dia consigo lidar bem com isso. Mesmo minha geladeira não estando no ranking das melhores geladeiras para uma garrafa de água viver (acho que isso só soou engraçado na minha cabeça, desculpa), existe comida quando eu preciso e acho que consigo me nutrir razoavelmente ingerindo os alimentos que estão lá. 

O grande problema são as frutas e verduras. No supermercado eu compro aqueles vegetais murchos e feios e não tenho muita escolha. Quando minha mãe vem me visitar, noto que aparecem belíssimos exemplares de maçãs, laranjas, uvas, brócolis e mandioquinha na minha cozinha. Por curiosidade, perguntei pra ela onde ela conseguia esses vegetais tão incríveis. Então, ela me deu a resposta que eu temia: na feira.

Para vocês entenderem melhor, preciso explicar as diferenças entre as feiras de São Paulo e as feiras em Goiás. As feiras em Goiás são lugares em que vários feirantes expõem seus legumes e frutas separados em bancas. Os consumidores perguntam o preço, pagam, pegam o troco e recebem a mercadoria em sacolas e levam para suas casas. Em São Paulo acontece tudo isso, só que com UMA GRITARIA HISTÉRICA DESESPERADORA.

Lembro-me de quando eu era pequena e via as cenas desta novela e achava que aquilo era tudo coisa de televisão:


Quando me mudei pra São Paulo vi que isso era só uma amostra do que realmente acontece. Como eu não sou uma pessoa lá muito chegada a multidões e barulhos, já que mal consigo me concentrar em ambientes silenciosos, eu fiquei APAVORADA na primeira vez em que fui à feira aqui. Os feirantes gritam, galanteiam as mulheres, fazem piadinhas, conversam com o outro feirante que está a 10 metros da sua banca, cortam frutas com facas sujas e tocam os pedaços com suas mãos igualmente sujas e praticamente os enfiam na boca dos transeuntes “pra dar uma provadinha”. Imaginem agora minha cara assustada enquanto tudo isso acontece.  Além do esforço sobre-humano de ter que sair e comprar comida, ir à feira me exigiria enfrentar todo esse desespero.

Hoje minha mãe me ligou e, em suas típicas recomendações maternas para eu me alimentar melhor e me cuidar e etc, me disse para aproveitar que eu acordei cedo e ir à feira comprar algumas verduras e frutas. Eu prontamente respondi:

 − Mãe, pra mim, ir na feira é como se eu tivesse que caçar, pescar e colher meus alimentos numa selva perigosa e assustadora.

Uma das metas da minha vida é descobrir uma forma de lidar com a feira para conseguir comprar os belos vegetais que eu quero tanto ter na minha cozinha. Talvez seja ir à feira com fones de ouvido. Ou mais alguns anos me tratando com a psicóloga. 





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Top Ipod - Give Me Strength - Eric Clapton



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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Minha Vida "Adulta"


Chego em casa cansada de ter fingido ser adulta e responsável durante todo o dia de trabalho e arranco meus óculos com raiva,  jogo minha bolsa no chão, atiro um pé de sapato para cada lado, espalho meus livros, ligo o computador e passo uma hora inteira vendo coisas inúteis na internet. Ignoro minha louça suja, ignoro a lata de lixo que transborda restos da semana passada, ignoro que meus chinelos estão virados para baixo, ignoro que eu deveria comer algo saudável e também ignoro que devo dormir logo porque acordarei cedo demais no dia seguinte. Esqueço-me que não moro mais com meus pais e teria que cuidar da higiene e organização do meu lar, além do pagamento assíduo das minhas contas. Finjo que não me lembro que preciso de um salário melhor para juntar dinheiro e comprar alguma coisa grande e importante, como todas as pessoas maduras fazem. Lembro-me que gastei mais de um salário mínimo comprando sapatos plásticos com cheirinho de chiclete. Não me espanto por me sentir muito mais à vontade conversando com meus alunos adolescentes que quando falo sobre “futuro” com pessoas adultas. Eu não sei manter relações amigáveis com pessoas que me magoaram, sejam elas ex-namorados, ex-amigos, ex-colegas de trabalho, ex-familiares. É a minha escolha. O lixo transbordante cheira mal na minha casa, as contas atrasadas são minha responsabilidade, o cartão de crédito com o qual eu compro sapatos está em meu nome, o doce que eu como no jantar vai para os meus quadris. Se eu escolho não mais conviver com pessoas que me fazem mal, eu tenho os meus motivos e eles são tão meus quanto o caos dos lençóis da minha cama. A minha imaturidade e teimosia são parte de mim e eu não preciso abominá-las. Eu tenho o direito de escolher não ser “adulta” quando faço todas as coisas insensatas e imaturas. Eu respeito a minha desordem exterior e interior e prefiro estar perto de quem quer entender e respeitar isso. Eu virei adulta principalmente para ter o direito de não ser “adulta”.




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Top Ipod - Live Alone - Franz Ferdinand (muito pertinente)




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