segunda-feira, 23 de maio de 2016

Gaslighting





Foto: Tiago Fuentes



Eu me apaixonei por você em tão pouco tempo que achei que era o suficiente pra vida inteira. Mas isso de vida inteira é coisa que a gente só acredita quando é muito jovem. E eu era ainda mais jovem do que sou hoje. Eu admirava seus defeitos como detalhes assimétricos de uma obra de arte. Abandonei tudo, saí correndo e vim pra cá. Eu mudei muito, você pouco. Você ora quente como o demônio, ora fria e cinza como eu mesma. Tive que me adaptar. Vivi a maioria das minhas primeiras vezes com você. Algumas ótimas, outras traumatizantes. Entrei em você como um grão de areia em uma ostra. Chorei muito, mudei meu sorriso. Aprendi a relevar. Fui aguentando derrotas, tombos e mudanças. Me acostumei sem querer. Achei que eu não merecia mais. Por sua causa descobri forças desconhecidas em mim. Você me sufocava e me mostrava minha insignificância.  Você com sua beleza estranha que só tem quem é inatingível. Você elegante e sem vergonha. Você que me fez mulher, me fez pérola, me fez bichinho assustado, me aprisionou e agora me repele. Você me aproximou do meu sonho, mas me afastou de mim mesma. Você faz mal à minha saúde. Mas tem um cantinho no meu coração que vai ser sempre seu. A gente pode tentar manter a amizade. Não me entenda mal. Não é você, sou eu. Minha ausência não vai ser nem estatística. Acontece que eu acabei me apaixonando de novo. Não sei dizer por quem. Eu vou embora, mas sou safada o suficiente pra voltar às vezes. Ou pra sempre, mais uma vez.








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