sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Amoras poluídas

Vez ou outra eu me sinto fraca. O tamanho do sorriso que acompanha o bom dia da colega de trabalho é angustiante. É impossível suportar a pressa do motoqueiro que acelera no farol amarelo. Se você ao menos olhar em minha direção eu posso começar a chorar e desandar a falar sem sentido sobre meu medo de tudo dar errado. Não aguento as amoras caindo sem parar no chão imundo do canteiro central. Não sei lidar com o clima quente da manhã que se transforma no vento gelado do fim da tarde. Minha falta de paciência com o tempo me faz chegar atrasada onde eu sou obrigada a estar. Eu tenho que estar onde não quero estar. Mas devo esperar o tempo me levar calmamente até onde eu preciso estar. O tempo tem seu próprio tempo.

Parem de cair, amoras.




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Top Ipod: When You Wake Up Feeling Old - Wilco




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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Dor



Seria mais fácil se eu não estivesse aqui. Se a vida vivesse sozinha, essa bigorna de desenho animado não estaria estacionada sobre meus pulmões. Eu bem poderia realmente acreditar todas as vezes que me falam que isso é urgente ou aquilo é importante. Poderia também continuar criticando os otimistas e não entender que o melhor otimismo vem do desespero. Fabricar o maldito lado bom das coisas só é possível com imaginação e com essa esperança idiota que ri de piadas que ainda nem fiz. Risco o calendário como quem risca as paredes da prisão. Aquelas palavras de incentivo, que quase nunca vêm, estão flutuando no ar seco. Produzir qualquer coisa banal seria bem mais simples do que dar forma a isso que sai junto com as lágrimas. Meu silêncio guarda ideias que dançam como se ninguém estivesse olhando. Criar dói. Não criar mata.


I will.




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Top Ipod: To Rise Above - Gogol Bordello




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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O que você faz?





Hoje estou cansada de propósitos e objetivos. Não quero saber para onde vou.  Ando muito rápido porque não quero chegar a lugar algum. Desisti de dar uma surra nas partes horríveis do meu passado porque descobri que elas não me transformaram em algo feio e tóxico. Em vez de continuar fantasiando meu pessimismo de otimismo, comecei a transformá-lo em vontade. Concluí que nunca estarei pronta para nada e tomei atitudes inseguras que, ainda que inseguras, são, sobretudo, atitudes. Quero fazer qualquer coisa, quero fazer o que eu faço e quero fazer isso do melhor jeito que eu conseguir. Vou tentar ser incrível e interessante, mas se no fim eu conseguir apenas ser eu mesma, voltarei para casa satisfeita. Continuarei pouco a pouco afastando da minha vida todos aqueles motivos que criam rugas de preocupação no meio da cara das pessoas. Quero respirar fundo para tomar fôlego e sair correndo e nunca suspirar forte como quem desistiu. Perdi a paciência com lirismo que não tem pressa. Não quero chegar porque não existe. A espera acabou. As dez mil horas já começaram.

“When the road bends you cannot walk straight.”











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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Translúcida como uma idiota



Hoje eu estive em vários lugares e ninguém me viu. Caminhei por horas numa rua movimentada, entrei em várias lojas, perguntei várias coisas e ninguém me respondeu. Sorri para muitos e não ganhei nenhum sorriso de volta. Não apareci em nenhuma foto, apesar de estar sempre diante de todas as câmeras. Entrei num bar, pedi um café e saí de lá 40 minutos depois sem ter sido atendida. Sentei ao lado de um estranho, conversei com ele por horas e, quando fui embora, percebi que ele continuou conversando com sua esquizofrenia. Meu celular estava com uma barrinha de sinal e não consegui fazer nenhuma ligação. Quando tropecei e caí, um carro e três bicicletas militantes passaram por cima de mim. Quanto mais longe eu ia, mais eu ficava transparente. Entrei no palco e meu aplauso foi um silêncio constrangedor e não ouvi nenhum riso depois de contar minha melhor piada. Nem as palavras se aproximaram de mim para me ajudar a descrever a sensação de ser ignorada. Palavras, voltem aqui porque vocês  são a única coisa que posso ter hoje.











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Top Ipod:  When You Sleep - Cake








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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Expectativas


Uma vez um amigo muito querido me disse que a melhor maneira de aceitar as pessoas, ou até os fatos da vida, é criar um sistema de nível de expectativas. Funciona mais ou menos assim: você conhece uma pessoa e começa a observar suas falas e atitudes e começa a supor o que pode esperar dela, traçando uma linha vertical imaginária em sua frente e marcando com um “x” o ponto em que acha que suas expectativas devem estar. De acordo com o que vai acontecendo ao longo do convívio, você sobe ou desce o seu “x” e assim nunca espera de uma pessoa mais do que ela pode lhe oferecer.  

Por um tempo isso foi, para mim, apenas uma daquelas ideias que você escuta, entende, acha incrível, mas não consegue assimilar muito bem e colocar em prática. Depois que isso realmente fez sentido e que comecei a aplicar esse gráfico de expectativas em minha vida, vi que aos poucos foi ficando mais fácil fazer as pazes com as pessoas ou com a memória que tenho delas. Percebi que a maioria das minhas decepções vinha ou de eu não ter ao menos tentado observar direito a pessoa ou de ter ignorado o nível de expectativas que eu deveria ter. 

O fracasso é previsível quando se espera algo que está além do que podem nos oferecer. Culpar as pessoas porque elas não fizeram algo que nem deveria ser esperado delas é, no mínimo, ignorância. Há infinitamente mais ignorância que maldade nas atitudes das pessoas, seja nas que batem, seja nas que apanham. E não há melhor remédio contra a ignorância que pensar, mas pensar muito e a todo o tempo, em si e nos outros.









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Top Ipod: Two Halves - My Morning Jacket




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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Medusa



Você que compra minhas palavras e paga pouco. Você que prejudica meus movimentos peristálticos. Você que ganhou meu ódio após pronunciar apenas duas palavras. Você que cheira a mofo e fala mais do que ouve. Você que arfa de ansiedade e lota meu ônibus. Você que acredita num Deus que zomba de mim. Você que produz em massa tudo o que eu não preciso ter. Você que quer meus rins em troca de sua taxa de juros de 323,14% ao ano.

Você é simples e comum e me cansa. Você contamina as paredes com sua falta de sentido. Você quer que suas serpentes minúsculas me transformem em pedra. Você quer borrar meu foco. Você quer decapitar meus filhotes que acabaram de nascer. Você diz que eu não sou importante.  Pois eu digo que você não existe.






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Top Ipod: Positively 4th Street - Bob Dylan



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