sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Emoldurando a Paisagem

“As viagens são os viajantes”, diria Fernando Pessoa; “Eu ainda estou de férias” diria a franga de Fuga das Galinhas; “De Volta Para o Futuro” diria Dr. Emmet Brown.
E eu, bem... Eu diria tantas coisas... Tantos sorrisos e palavras bem gastos com minhas lindas meninas, meus encantadores meninos...

Duas claras conclusões: 1- eu só fui embora do passado porque só naquele exato momento eu tive algo para deixar pra trás; 2- eu só começo a me sentir bem no “futuro” porque (agora sim) vejo que também posso construir algo que valha ser lembrado e deixado para trás. Até porque eu só consigo “deixar pra trás” o que eu guardo na memória com algo de acréscimo ao meu Lego existencial. Os 90% restantes eu simplesmente deixo no ponto nulo (ou na Terra do Genésio, como queira).

Eu deixo pra trás carregando comigo todos os restos que me ensinam e me completam e que me fazem ter aquela dor agridoce de não temer o “futuro” e mergulhar nele, exatamente porque o “passado” conseguiu cumprir seu papel de valer se tornar passado. Ou até se tornar parte deste impalpável “presente” (que eu nunca sei o que é), ocasionalmente, mas como uma seqüência bem sucedida de um filme de sucesso.

A moldura meio roxa e lilás que eu coloquei no meu campo de visão talvez direcione melhor e limite um pouco a ânsia de ver e absorver tudo ao mesmo tempo. Ouvi Win Wenders dizer em um documentário que se ele tira os óculos sente que vê demais, por ângulos demais. Acho que eu precisava mesmo de óculos para ver um pouco “menos”.

Ver o suficiente talvez me mostre o sentido do que é o suficiente. Nem mais nem menos. Apenas identificar com mais clareza o que é suficiente. Especialmente porque o melhor de alguns pode ser pouco demais. Ou exagerado. Incluindo nesse quesito todas as formas de vida baseadas em carbono ou não. Inclusive eu.

Eu ganhei roupas, eu ganhei um microfone, eu ganhei doces beijos inesquecíveis...

A saudade que eu trago na minha mala quase tão sem limites quanto a da Mary Poppins é ainda digna de um fado. Mas esse fado é sobre um mundo em translúcidas molduras roxas em degradè, sob o ponto de vista de uma observadora um tanto mais estável, mas que não pensa muito na hipótese de parar de flutuar.


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Top Ipod: Next Year - Foo Fighters

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Livro em branco

Hoje eu presenteei alguém com um livro em branco para ser preenchido por sonhos. E por mais que isso soe como as duas primeiras frases de textos pretensamente líricos (como talvez este também será), isso realmente aconteceu e o propósito é realmente que os sonhos sejam colecionados em forma de palavras num caderninho cor-de-rosa.

Eu sempre estive rodeada por livros em branco. Sempre me presenteei com livros em branco. Sem ter muita certeza de que preenchê-los seria realmente válido. E sem saber também se esse tipo de coisa precisa de propósito.

Os rascunhos se tratados apenas como lugares onde se transcreveram idéias rudimentares não inspiram minha superação. Eu queria guardar todos os meus rascunhos. Queria ter guardado todos os meus rascunhos. E isso nem significa que eu os valorizo tanto assim. Eles não podem ser sempre definitivos, mas nem sempre há tempo para passá-los a limpo.

Livros em branco podem se tornar cheios de trechos rabiscados e reescritos, talvez equivocados, talvez mal traduzidos, talvez gramaticalmente equivocados, talvez cheios de “talvez”...
Estou com uma preguiça “macunaímica” das minhas idéias. Idéias esparsas transmutadas em palavras repetitivas como os acordes das aceleradas canções que eu ouço repetidamente. Inspiração sinuosa e escorregadia. Linguagem dupla e dúbia. Semântica atropelada pelo desespero de raciocínios carentes de receptáculos adequados e férteis. Substantivos e adjetivos que se amontoam tentando fazer sentido além de Maya. Maya tem estado cada vez mais delineada na minha frente. Ás vezes sedutora, quase sempre irritante. Palavras que me salvam, sem saber direito como se ordenar, mas ainda me salvam.

Um livro em branco pode um dia se tornar a minha tão sonhada transcrição da eterna queda no abismo da dúvida. Até lá, vou perdendo cada vez mais o pudor de riscar, rabiscar e reescrever.

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Top Ipod: Through The Roof N' Underground - Gogol Bordello

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ela flutua

Saudade, sempre. Esse é o sentimento mais constante e eu já me acostumei. Mas do que eu sinto mais saudade é dela. Aquele sorriso dela, a antiga confusão dela, a ausência estranha que ela tinha de si mesma. E tinha aquela mania que ela tinha de beber e chorar. Ela nem tem bebido mais e suas lágrimas estão muito estranhas. Quase não saem. E ela tinha aquela risada que saia tão cheia de razão, tão plena de si, tão digna de ser compartilhada que disfarçava a antiga dor. Que hoje eu nem sei se realmente era uma dor. Há momentos em que eu sinto mais falta dela do que deveria. Outros momentos em que eu até me esqueço do que ela foi. Na maioria das vezes não sei dizer se ela realmente existiu ou como ela existiu. Hoje eu estou mais jovem do que ela. Ou mais velha do que ela. Mas ainda flutuo. E daqui de cima a vista é turva. Nebulosa como qualquer idiossincrasia que ela tinha. Não estou certa se quero ter os mesmos motivos pra sorrir ou pra chorar que ela tinha. Mas ainda não é a hora de saber ou de falar. E flutuar não é tão incômodo assim... Mas eu devo flutuar sozinha.

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Top Ipod: To Youth - Flogging Molly

terça-feira, 9 de outubro de 2007

E a Trilha Sonora

Andar por aí ouvindo música no fone de ouvido talvez não sirva só pra dar à vida uma aparência de videoclipe...
Hoje, mais do que nos outros dias, o mundo parecia dançar ao som do que eu ouvia. De pessoas correndo a coqueiros balançando entre prédios, de flores roxas a poodles perdidos. Se eu quisesse mudar o ritmo do mundo que eu via, bastava mudar de música. Simples assim, o mundo continuava seguindo os passos de acordo com o meu som.
E metaforizando e embutindo significado nas coisas, pensei que talvez seja exatamente isso que acontece: nós mudamos o som individual que ouvimos para que 'o mundo, o universo e tudo o mais' dance ao nosso redor ou dance conosco...
Então é isso. Agora eu vou prestar mais atenção na música que eu ponho pro mundo dançar na minha frente. E vou mudar o ritmo também, pra ter um pouco mais de graça. E olhar com mais cuidado todos os passos que os bailarinos fizerem.


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Top Ipod: Sweetness Follows - R. E. M [pra dançar de rostinho colado com a vida]

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O Futuro do Pretérito

Contexto: entrevista de emprego, bem no fim de uma semana preenchida por fatos aleatórios sem (com) sentido, como talvez seja a vida inteira. O tema da redação era o uso da censura nos tempos modernos e, após eu conseguir buscar no fundo do meu cérebro que censorship quer dizer censura, comecei a escrever qualquer coisa.

Mas, como um fenômeno que às vezes acontece, o texto foi tomando vida própria. As palavras na língua estrangeira foram se juntando não muito confortavelmente e foram fazendo sentido pra mim mesma, muito além do que eu pretendia para uma tola composição de 180 palavras.O passado, o futuro e o confuso presente, sempre mencionados, e sempre incômodos, apesar de serem a coisa mais clichê já inventada, seriam o cenário em que se desenvolvem todas as tramas. Até porque o tempo assim em unidades de medida soa melhor sem essa parte das “unidades de medida”. O presente foi futuro no passado....

Assim como em um portátil aparelhinho que toca músicas, seria interessante ligar o “shuffle” e esperar pra ver qual “música” viria nesse futuro, que um dia será presente. A inércia de não querer mexer muito nos fatos embaralhados e jogados um a um no enredo é inquietante, juntando-se com o fato de todas as respostas carecerem de perguntas correspondentes. Talvez porque o “shuffle” tenha sido ligado antes de o tempo ser tempo e se dividir em passado, presente e futuro ou qualquer outro nome que poderíamos inventar. E muito antes de qualquer especulação racional inútil formulada por um andróidezinho paranóico como eu.


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Top Ipod: Leve - Chico Buarque

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Talvez

Comecei dizendo que toda fraude é frágil
Se soubesse as notas até viraria isso em canção
Mas supus que nem se meu dedilhar fosse ágil
Teria sentido o cantar do ainda mudo violão
Concluí que lirismo com rima é pra gente hábil
Repensei a idéia, por ser em si advérbio em desconstrução
Apaguei, recoloquei, observei meu pêndulo retrátil.
Ao imaginar o tempo preenchido por cores de opção
O sorriso desfingiu-se e renasceu a paixão portátil
E todo o meu talvez
es
fa
re
lou-
se

no

chão.

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Top Ipod: Erase Replace - Foo Fighters (do novo incrível novo álbum Echoes, Silence, Patience and Grace)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Restos

Eu preciso me livrar desses restos. Enfiá-los num enorme saco plástico escuro. Esses restos precisam se livrar de mim. E talvez eles me coloquem dentro desse saco plástico malcheiroso. Eu preciso sentir. Eu preciso chorar. Ou talvez sentir seja para os fracos. O pranto não sabe mais se materializar em líquido. Restos se acumulam e se empilham e se sufocam e se espalham. Entram nos meus pesadelos recorrentes. Restos de um passado que ainda é. Restos de um futuro que nunca será. Restos de um presente que não sabe acontecer. Restos que não merecem ser restos. Restos que não merecem voltar para onde vieram. Restos que não podem mais ficar aqui. E restos que eu não quero expulsar. Restos que ficam olhando fixamente para mim. Restos que me fazem desviar o olhar para algo que eu não consigo identificar ao certo. Restos mortais do que não foi. Restos que se mexem como zumbis. Restos de mim. Restos de almas que não acharam o caminho para habitar corpos. Corpos que nunca se pertenceram. Um corpo que fabrica palavras demais. Palavras que talvez não nasceram pra fazer sentido.
Os restos são minha única companhia na Terra da Solidão. Mas eu prefiro ficar sozinha.
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Top Ipod: Copo Vazio - Chico Buarque
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