segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Sozinha


Durante o dia, todos os dias, o cheiro predominante é de churrasco. Largas avenidas se cruzando podem ser vistas cheias de movimento o tempo todo. Janelas se abrem e fecham ao redor, me matando de inveja por mostrarem cômodos cujos interruptores de fato acendem e apagam lâmpadas, enquanto eu ainda uso isqueiros e velas. Ônibus verdes vão e vêm em frente a loja de produtos para mágica e truques. À noite, quando os faróis ficam vermelhos, limpadores de vidros fazem dancinhas amigáveis, levantam as camisetas e pedem moedas aos motoristas. Duas prostitutas com roupas iguais tentam conseguir clientes, mas parecem perceber que o ponto é fraco e vão embora. A “Lanchonete da Lucilene” parece ficar aberta 24 horas, mas o “Forró do Marcelinho” só abre aos fins-de-semana e vésperas de feriado. No final da tarde, ao olhar para o lado direito, vejo cores rosas e douradas no céu, que aos sábados e domingos é apropriadamente azul até essa hora.

Aí no domingo, depois que ele foi embora, eu resolvi sair um pouco, pra lutar contra o pequeno início de tristeza e tédio. Encontrei uma menininha no corredor:

- Oi! – ela disse

- Oi. – respondi

- Você tá sozinha? – ela

- Unrum – eu

-Eu também. (sorriso dela)

(sorriso meu)

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Top Ipod: Live Alone – Franz Ferdinand




quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

4 x 4

O trânsito em São Paulo é coisalindadedeus (!)... Quando começo a me esquecer dele, ele me prende por algumas horas, só pra eu sentir a incrivelmente agradável sensação de ter uma crise de ansiedade dentro do ônibus parado.
A maior ironia que se pode ver atrás de uns 850 veículos que se movem na sua frente a 5 metros por minuto é olhar atrás de um desses modelos 4 x 4 e estar escrito: "Path Finder"

Nessas horas eu só imagino isso aqui, ó:



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~


Top Ipod: Undone - Devotchka








.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Performances


Em um dia ensolarado de domingo em que TUDO deu certo, fomos passear em um evento que sabíamos relativamente onde era e, com uma margem baixíssima de precisão, do que se tratava. Depois de uma pane misteriosa eu não tinha energia elétrica em casa disponível para ligar o computador e entrar na internet para ver o convite online que recebi dos meus amigos que iam fazer stencil art no tal evento. Sendo assim, não sabia exatamente o endereço. Então, depois de um considerável sanduíche de mortadela no Mercado Municipal, Tiago e eu resolvemos tentar chegar lá e ver do que se tratava.

Saímos do metrô Barra Funda e começamos a pedir informações a figuras que transmitiam alguma autoridade ou não, como funcionários do Metrô, seguranças do Metrô, o segurança do estacionamento do shopping, o porteiro do Clube do Palmeiras, duas transeuntes japonesas e por fim uma viatura da PM que estava por lá, tudo isso em intervalos de aproximadamente 10 minutos de idas e voltas. Algumas garrafinhas de água e uns cinco “eu disse que a gente estava no caminho certo” (do Tiago) depois, chegávamos à tal Casa das Caldeiras, identificável por ter três gigantescas chaminés que podiam ser vistas de qualquer ponto a 100 metros de distância.
Na entrada, uma locomotiva restaurada e um corredor transparente que dava acesso à construção. Ao chegar na porta haviam duas escadas que davam acesso ao local. Escolhemos a da direita e descemos, já curiosos pra entender de que se tratava toda a disposição de tubulações de metal pintadas de laranja que se erguiam até o teto em frente às paredes de tijolo. Quando eu olhei para o lado, percebi que havia uma mulher completamente sem roupas enrolada em papel filme transparente dependurada no corrimão. Após a minha previsível exclamação “Tá danado!” continuamos seguindo, para perceber logo adiante que, em meio às poltronas brancas espalhadas em frente à mesa de som, haviam mais algumas pessoas nuas ou semi-nuas embrulhadas em papel filme distribuídas em cantos estratégicos do andar, inclusive no outro corrimão.
Descemos até o andar de baixo e logo vimos nossos amigos que estavam lá em frente à parede branca fazendo seus stencils ao lado de alguns grafiteiros que desenhavam coisas diferentes entre si. Os amigos disseram pra gente continuar olhando nesse andar de baixo, e foi o que fizemos. À esquerda, um túnel de tijolos à mostra bem iluminado que parecia ser o lugar com mais fantasmas por metro quadrado que eu já tive a oportunidade de entrar, só perdendo para um dos outros cantos com tubulações do outro lado da Casa das Caldeiras. Seguimos andando e vimos uma moça (igualmente semi-nua) com uma fina mangueira transparente enrolada no tronco. A extremidade de cima estava ligada a uma garrafa com um líquido vermelho e a outra estava entre as coxas. Ela soprava o líquido na mangueirinha e ele ia saindo pelo lado de baixo. Seguindo no túnel, havia uma outra moça (sim, semi-nua) vestida com meia-calça cor da pele até no rosto, sentada no chão fazendo movimentos ondulantes inexplicáveis e enfiando pedras dentro dos orifícios que a meia-calça deixava. Lá no fim do túnel havia um círculo que dava em uma das extintas chaminés, onde havia outra moça (esta com um longo vestido de época cheio de pano) em pé de costas para o túnel sendo fotografada e/ou filmada.
Voltamos pelo túnel e resolvemos ir para uma das outras extremidades, onde entramos em um lugar bem iluminado onde estavam dispostos de forma milimetricamente caótica uma centena de carcaças de coisas elétricas ou não (monitores, baldes, embalagens vazias de perfume...) com amostras de palavras poéticas escritas sobre alguns dos objetos. À direita, uma abertura na parede mostrava um lugar cheio de graxa e mal iluminado que tinha espalhadas e dependuradas algumas lingeries daquelas que não se compra perto da mãe, uns dvds de filmes randômicos, cabeças de bichos de pelúcia e uma moça com graxa por todo o corpo (adivinhe) seminu.
Andamos mais um pouco e eu comecei a rodar um pesado objeto circular que algum dia deve ter servido como parte de um sistema para gerar energia de alguma forma. Realmente foi agradável girar para a direita, tentar parar com toda a força pra depois (!) girar para a esquerda. Mais agradável ainda foi o rapaz com o saxofone que passou e me disse: “Terapia?”. Adiante, algumas tubulações não usadas há décadas, portinholas de metal que o Tiago abria e eu tentava contar quantos fantasmas estavam saindo.
Acho que antes de assistir o pôr-do-sol e ir embora nós andamos em círculos umas 10 vezes com longas paradas para espanto e observação de performances de bailarinas deitadas, uma mulher que mais parecia uma daquelas estátuas de deusas da fertilidade de 10.000 A.C. , uma portinha com uma placa pequena com o desenho de algo muito parecido com um dromedário e os grafitis que estavam sendo feitos. Devo admitir que não dava vontade de ir embora, vontade essa que costuma ser bem freqüente.
Não espere que eu revele neste momento meu ponto de vista artístico sobre toda essa exuberância performática que em conjunto, realmente me espantou. O livro de história da arte que estou lendo ainda está marcado na página que termina de falar do Neoclassicismo e eu só formei (novamente) uma opinião até aí. Eu só posso dizer que:
1- Espero mesmo terminar logo de ler esse livro e ler mais uns 250 para tentar ter uma visão mais clara do que é arte;
2- Acho que a disposição e o conjunto (música, pessoas, luzes, cores) fazem uma grande diferença;
3- Não, infelizmente eu não estava com uma câmera pra registrar isso fotograficamente;
4- Lá em Goiás (pelo menos até onde eu vi) não tinha disso não... Por isso, mereço um pouco mais de tempo para refletir;
5- Quando eu estava voltando de ônibus, olhei pela janela e vi um colchonete muito bem organizado de um mendigo, que tinha em cima uma coberta muito bem dobrada e uma revista Quatro Rodas cuja capa trazia: “Civic ou Corolla, saiba como escolher”, ao lado de uma Bíblia de bolso.



~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Top Ipod: Kalasnjikov - Goran Bregovic

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Mi español es fueda!

Daí a Balbina resolveu fazer um teste de nível pra estudar espanhol:

"4. Escriba algo como un párrafo acerca de su vida, los objetivos que busca e el motivo por lo cual tiene ganas de estudiar el español.

"me gusta español, me gusta almodóvar, me gusta Manu Chao, me gusta la lechuga, me gusta tú, me gusta leer, me gusta tú, que voy hacer je ne se pas, que voy hacer je suis perdu, que horas són mi corazón."


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Top Ipod: Panik Panik - Manu Chao




.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

O amor e a beleza

Eu levo tudo isso muito a sério, a ponto de levar a sério até o fato de achar graça e rir de tudo. Tudo de mim e tudo de todos. A mesma dor de ver vocês assim tão adaptados e padronizados com toda essa complacência é a dor de quando olho sem escrúpulos para a minha preguiça.

Muito além da vergonha de olhar para o futuro que corre em minha direção anunciando rugas e as responsabilidades que vocês julgam plenas, vem a agonia de ser covarde. As escolhas, as informações, as estradas e as pessoas 3D continuam espalhadas ao meu redor, culpando-me silenciosamente pela minha resignação.

Escondendo-me no conforto da minha imparcialidade indolente, eu tento justificar minha hipocrisia. Eu não quero dizer o que penso. Tenho medo da solidão porque ela revelaria minha ausência de atitudes e o próprio medo em si. Eu quero amar até o fim. Quero achar a busca do que amar. E eu tenho direito de achar suas regras inúteis, mesmo sem ter toda a sua propriedade e seguindo-as porque não poderia discordar. Não tenho vontade de compartilhar meus pensamentos ilógicos e superficiais. Não com você.

“... mas há tão poucos com quem possa compartilhar as coisas que significam tanto para mim que aprendi a me conter. É suficiente que eu esteja cercado de beleza.” (Everett Ruess 1934)

Quando eu diminuir um pouco minha preguiça estúpida e for buscar a beleza, não estarei mais aqui. Mas gosto de estar de olhos abertos.




~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~


Top Ipod: Society - Eddie Vedder (Into the Wild OST)


segunda-feira, 21 de julho de 2008

Cadeia Alimentar

Acabamos de chegar. Era um grupo relativamente grande, algo como 30 ou 40 pessoas. Caminhamos em direção à clareira que era perto da estrada de onde viemos. O caminho para o museu era plano e sem nenhuma árvore ou arbusto, apenas alguma planta rasteira entremeando as poças rasas de água de alguns metros cada uma. Os estranhos espelhos d’água têm uma cor amarelo-azulada, talvez por causa da nuvem que está passando em frente ao sol da tarde. O museu é uma construção quadrada e bege, de um andar e com vidros bem grandes e claros na frente, sendo a única construção no meio do descampado. Andamos por uns 20 metros e entramos no museu. Somos recebidos por um segurança de terno escuro. Não há portas, e sim uma entrada larga e reta, sem nenhum detalhe e os vidros não se abrem. O grupo se espalha pelo hall retangular na frente do local. Eu vou para o vidro sozinha pra ver o exterior. Há apenas uma árvore no canto esquerdo que eu acho que não tinha reparado antes. No meio dos galhos, percebo um felino enorme, algo como uma onça, mas todo preto, exceto pelas patas dianteiras com pequenas manchas circulares brancas. O felino está olhando na direção da estrada. Sigo seu olhar e percebo que há um homem vindo, se aproximando da árvore. O felino prepara-se, aguardando silenciosamente a chegada do homem. Ele se veste como nós e também tem uma mochila nas costas. Não percebe o felino. Eu continuo olhando atrás do vidro. O homem passa do lado da árvore retorcida. O felino ataca com precisão e frieza e abocanha diretamente seu rosto. Eu levo um susto mas não consigo me mover e fico esperando ansiosamente que o homem lute contra o felino por sua vida, mas ele apenas move levemente o braço direito e tenta de forma débil afastar o animal, que continua movendo suas mandíbulas e se alimentando do homem vivo. Eu começo a entrar em pânico. O homem continua de pé enquanto o felino dilacera sua carne. Eu vejo tudo. As pessoas que vieram comigo continuam conversando e andando pelo local, enquanto o segurança traz a pessoa que servirá de guia para conhecer as exposições. Eu já não consigo mais olhar. Tento chorar mas não consigo. O homem está inerte e resignado com sua condição de degrau abaixo da cadeia alimentar. Eu assisto a tudo do lado de trás do vidro, gritando por dentro, quase conseguindo chorar. E então, o despertador toca. É manhã de segunda-feira em São Paulo.


"If I'm gonna talk, I just wanna talk, please don't interrupt!"


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~


Top Ipod: Last Flowers to The Hospital - Radiohead




sexta-feira, 20 de junho de 2008

Dimensões do passado sempre presente

Hoje me deparei com a ausência que sempre será ausência. O protagonista da história que eu mais gostava de ouvir na minha infância torna-se, então, somente parte dessa história. A presença dele sempre foi abstrata, assim como a dor que a eterna ausência agora causa.

A meu ver, há três formas de se ver o mundo. Alguns vêem em duas dimensões, pragmáticos, objetivos, largura, comprimento, poucas cores, algum movimento, um certo barulho. Outros vêem em 2D complexo, com inúmeras nuances de cores, formas e movimentos, além de sons interessantes, mas ainda 2D. Já alguns, com ou sem tantas cores, vêem o mundo em 3D. São capazes perceber e ter a profundidade das formas e também têm uma fantástica trilha sonora. Não que eu consiga sempre classificar as pessoas nas categorias que imaginei, claro. É muito fácil se enganar.

Há pessoas que morrem encerrando algo que só era chamado de “vida” por causa de funções metabólicas desempenhadas pelo seu organismo. Outros morrem felizes, dormindo, velhinhos, em paz, aquecidos em seus leitos confortáveis ao final de uma estadia confortável na vida real. Tem os que saem por aí tentando absorver a tudo e a todos e morrem no meio de suas aventuras. Há aqueles que extraem saudades vazias de uns quando morrem. Mas também há os que morrem exauridos no corpo, mas com tanta verdade dentro de si que ela até parece bastar.

E sentir demais pode ser algo além de sofrimento. E uma dúvida pode ir construindo algo pelo caminho, se houver um caminho aberto para alcançar a resposta. Mesmo sabendo-se que “dúvida” e "resposta" são abstratos demais.

A verdade dele fez sentido pra mim. Talvez um dia eu ache a minha verdade para que ela me baste. Ainda que abstrata. E talvez, quando eu morrer, alguém chore por mim sentindo o mesmo que eu sinto por ele, mesmo que tão abstrata e distante.

Para o passado dele, sempre presente, o meu eterno respeito e admiração.
(03/02/1946 – 20/06/2008)


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Top Ipod: Ever Present Past - Paul McCartney




.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...